Poetas de setembro – coleção Melhores Poemas

O que se chama variedade também responde pelo nome de vastidão. Ter os livros da série Melhores Poemas da Global Editora na estante é ter ao alcance das mãos a poesia de tempos e estilos diferentes, com certeza, mas também uma possibilidade de fazer relações entre as obras e os tempos atuais. Setembro é mês de aniversário de quatro autores da coleção: Arnaldo Antunes, famoso na música brasileira pelo trabalho solo ou na banda Titãs, tem raízes profundas na poesia, como leitor e autor. Nasceu trinta anos depois de Ferreira Gullar, um dos poetas do século XX que mais influenciou outros tantos poetas de peso na nossa cultura.

Também aniversariantes o polêmico português Bocage, amado e perseguido, irônico e histórico, um sobrenome do Arcadismo, e o paulistano Álvares de Azevedo, que, mesmo morto com apenas 20 anos de idade, produziu o suficiente para marcar seu nome no Romantismo e ganhar a atenção de um dos mais importantes críticos literários de todos os tempos, Antonio Candido, que assina a apresentação da obra. Enfim, variedade, vastidão… e acrescentemos profundidade.

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Ferreira Gullar nasceu em São Luís (MA), dia 10 de setembro de 1930.

“O leitor, à primeira vista desnorteado com as diferenças entre o imaginário solto de A luta corporal, o neorrealismo dos romances de cordel e a poética do memorialismo engajado dos anos 60 e 70, aprenderá, afinal, depois de algumas releituras, que Gullar foi, tem sido e é o poeta de um universo bem determinado, e não resistirá à tentação de desenhar-lhe o mapa” – na apresentação de Alfredo Bosi.

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***

o que pode ser mais triste –
um tigre de circo, alguém
perdido?
uma promessa quebrada
como um brinquedo, um segredo
contado, terremoto, lar
desfeito, desejo (medo)
desperdiçado?
defeito, braço direito
amputado, fósforo
molhado?
o que pode ser mais triste?
vaca, chuva, trapo?
criança calada, escravo?
poça, lago, vidro (amor
não correspondido)
embaçado?
palavra errada, guerra, marte?
pêndulo, empate?
feiura, cegueira,
fim de festa, falta
de vontade?
(uma coisa triste de)
verdade?

Arnaldo Antunes nasceu em São Paulo (SP), no dia 2 de setembro de 1960.

“É na mentira e no erro que o poeta diz a verdade e acerta e isso até já virou lugar-comum: ‘o poeta é um fingidor…’. É por isso que parece tão fácil imitar a poesia de Arnaldo Antunes. E isso não é um problema. É porque ela se mostra de dentro para fora, com as costuras e os remendos” – na apresentação de Noemi Jaffe.

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I – Como o poeta se retrata e julga sua obra

            […]

  1. Fiei-me nos sorrisos da Ventura,
    Em mimos feminis. Como fui louco!
    Vi raiar o prazer; porém tão pouco
    Momentâneo relâmpago não dura.

            No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo úmido e oco,
Pareço, até num tom lúgubre e rouco,
Triste sombra a carpir na sepultura.

            Que estância pra mim tão própria é esta!
Causais-me um doce e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

            Ah!, não me roubou tudo a negra Sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

            […]

Bocage nasceu em Setúbal, Portugal, dia 15 de setembro de 1765.

“Salva-o da mediocridade a natureza apaixonada a oscilar entre a revolta e o masoquismo, a capacidade de amar e de sofrer por amor, a volubilidade e o ciúme” – na apresentação de Cleonice Berardinelli.

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            Minha desgraça

            Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como trata-se um boneco…

            Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem m’o dera!) é o dinheiro…

            Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.

Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo (SP), dia 12 de setembro de 1831.

“Toda leitura de um poeta do passado requer adaptação mais ou menos profunda. Sobretudo em nosso tempo, quando as mudanças são tão rápidas que o novo de ontem é o velho de hoje, e cuja justificativa parece estar no desejo de instabilidade” – na apresentação de Antonio Candido.

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