Aniversário: Poetas de fevereiro

Vamos celebrar os aniversariantes de fevereiro na coleção Melhores Poemas. O mineiro Paulo Mendes Campos foi um dos mais celebrados cronistas brasileiros. A prosa muito poética não brotava por acaso: era um grande poeta, como se pode atestar na edição que o jornalista e escritor Humberto Werneck fez para a Global Editora dos Melhores Poemas de Paulo Mendes Campos.

Contemporâneo dele na chamada Geração de 45, Lêdo Ivo também foi importante ensaísta e romancista, acumulou prêmios importantes e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Álvaro Alves de Faria tem mais de vinte livros publicados e uma carreira muito respeitada no jornalismo. Teve essa edição de Melhores Poemas organizada pelo escritor e professor Carlos Felipe Moisés, que escreveu a primeira parte da apresentação como uma carta pessoal, que dá muito prazer em ler e nos aproxima do poeta.

Os demais aniversariantes são portugueses já mais distantes no tempo, mas não na força da poesia: Almeida Garrett e Cesário Verde.

POEMA 33

A poesia toda
devia ser apenas
um haicai.

Toda a poesia
não devia ter palavras.

Cada poema
é mais uma batalha perdida.

Álvaro Alves de Faria nasceu em São Paulo, dia 9 de fevereiro de 1942. Filho de Álvaro Dias de Faria, natural de Angola, e de Lucília Alves de Faria, nascida em Anadia, nas imediações de Coimbra. É jornalista, poeta e escritor. Antes de optar pela carreira na área do Jornalismo, exerceu vários ofícios, desde os 12 anos de idade.

 

PRECAUÇÕES INÚTEIS

Quem tapa minha boca
não perde por esperar:
o silêncio de agora
amanhã é voz rouca
de tanto gritar.
Quem tapa meus olhos
nada esconde de mim.
Sei seu nome e seu rosto,
o lugar em que estou,
sua noite sem fim.
Quem tapa meus ouvidos
me faz escutar mais.
Igualei-me às muralhas
e o silêncio mais fundo
guarda o rumor do mundo.
Quem me quer sem memória
erra redondamente.
Lembro-me de tudo
e, cego, surdo e mudo,
até do esquecimento.
E quem me quer defunto
confunde verão e inverno.
Morto, sou insepulto.
Homem, sou sempre vivo.
Povo, sou eterno.

Lêdo Ivo nasceu em Maceió, dia 18 de fevereiro de 1924. Alagoano de Maceió, em fevereiro de 2004, completou 80 anos. É membro da Academia Brasileira de Letras desde 1986. Em 1990 recebeu o troféu Juca Pato, por ter sido eleito o Intelectual do Ano. Detém vários prêmios como, por exemplo, Jabuti, PEN Clube do Brasil, alguns concedidos por governos estaduais e outros pela Academia Brasileira de Letras.

 

BARCA BELA

Pescador da barca bela,
Onde vás pescar com ela,
Que é tão bela,
Oh pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela…
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!

João Leitão da Silva nasceu em 4 de fevereiro de 1799, no Porto, em Portugal. Era o segundo filho de Antônio Bernardo da Silva e de Ana Augusta de Almeida Leitão. Mais tarde mudou seu nome para João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, tendo retirado o penúltimo sobrenome da família materna e o último, de origem irlandesa, da paterna. Em 1843, começa a publicar as Viagens na minha terra na Revista Universal Lisbonense, publicação terminada apenas em 1846.

 

IMPOSSÍVEL

Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.
Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.
Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, p’ra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.
Posso sentir-te em fogo, escandecida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.
Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.
Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraque.
E até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,
Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
E rir dos miseráveis.
Nós podemos, nós dois, por nossa sina,
Quando o sol é mais rúbido e escarlate,
Beber na mesma chávena da China,
O nosso chocolate.
E podemos até, noites amadas!
Dormir juntos dum modo galhofeiro,
Com as nossas cabeças repousadas
No mesmo travesseiro.
Posso ser teu amigo até à morte,
Sumamente amigo! Mas por lei,
Ligar a minha sorte à tua sorte,
Eu nunca poderei!
Eu posso amar-te como o Dante amou,
Seguir-te sempre como a luz ao raio,
Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou,
Lá nessa é que eu não caio!

Joaquim José Cesário Verde nasceu em 25 de fevereiro de 1855 em Lisboa, Portugal. Em 1873, frequentou por alguns meses o curso de Letras na Universidade de Coimbra, época em que começou a publicar seus poemas no Diário de Notícias, Diário da Tarde, Ocidente e outros periódicos. Morreu prematuramente, aos 31 anos em 1886.

 

MOTES NO INFINITO 

nascer, nasci em 1922,
morrer, morri em mil novecentos e depois
as castanhas que me faltaram no frio de 37 em Barbacena
encontrei-as no outono de 49 no cais do Sena
ai flores, ai flores do verde pino
agora que sei que sou um menino
senhora de corpo delgado
nem todo jejum é sagrado
este livro que sempre se manteve fechado
de repente se me abriu de lado a lado
sem dor a árvore do papel
não se livra do mal do mel
eu nem sei quem dantes era
mesmo assim telefono à primavera
pré-história…história… pós-história…
e o borbulhar enfim da festa sem memória…
quem vinha de flor
não me deu amor
é ela que se manda a meu pesar
tão logo aquele Jumbo decolar
é do inferno do pobre (diz Hugô)
que é feito o paraíso do robô
não me dá amor vagar
no Arpoador sem parar
de calça à luz conivente
vai Leonor transparente
saudoso-imaginoso disse o mestre:
guerra como a de Troia, nunca mais!
se meu amigo viesse e me visse,
se rindo de mim, diria: não disse!?
quem o mundo juntou sem ter partido
é comuna (Jesus) da linha justa
ao vagaroso passo dos meus bois
vou no meu vir-a-ser-antes-depois
poesia, bizarro contrabando
que seres fronteiriços vão passando
senhora mui louçã a quem chamei de flor
me disse alto e bom som: ora, não enche, pô!
aqui em Beagá, do alto dos picos,
sem dizer a ninguém crio o Dia do Fícus
minha mãe velida,
vê no que deu minha vida!
quando la festa è finita subito o lenta
il silenzio di ceneroni mi spaventa
senhora formosa, por meu mal
ando em regime de amor e sal
descalça vai para a praia
Leonor, de biquíni de cambraia
quem pretende ir-se embora quando passa
lindo filme de bruma na vidraça?
sonhos, quem não os tem quando a garoa
de São Paulo nos leva à vida à toa
meu ser evaporei na lida insana
que no meu tempo foi Copacabana
eu vi Gioconda em Paris:
mamona lisa nunca vi
foi-se o perjurado, sumiu de Ipanema
sem deixar recado, sem telefonema
busca: não acharás a poesia:
vai-se a voar a pomba da palavra
busca: talvez acharás a poesia
quando o voo sem pomba regressar
quem Jânio Quadros não entende
entender o mundo e seu pretende
amiga, tive recado
de seu amigo (coytado!)
a prosa de Malherbe não durou
o espaço duma rosa tipográfica
– ay Deus, val! – tudo legal?
– tudo legal! ay Deus, val!
trespassa a nossa pálpebra a festa solar:
quando for noite, abrir os olhos devagar
dizia la bem talhada:
que gana de feijoada!
em caso de pasto disse a fremosinha:
quero filé grelhado sem batatinha
quando é hora do rush, o sol se esconde
e a passarada que não sabe aonde
senhora, agora, vos rogo, sem demora,
o meu coração Mendes tá na hora
na ribeira do rio vento frio
faz no meu rosto rugas quando rio
erros meus, má fortuna, amor ardente,
mais uma espondilose recumbente
terras lindas que (tanto tempo!) percorri
andam hoje a fazer turismo em mim
rio dos rios todos que vi ou não vi:
das barrancas do Logos, nunca sou daqui
O poeta vende um pano tão diverso
que seu reverso dá nome de verso

Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte, dia 28 de fevereiro de 1922, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1991. Jornalista, autor de literatura infantojuvenil e cronista, publicou diversos livros, entre eles, O cego de Ipanema (1960), Homenzinho na ventania (1962), O colunista do morro: uma experiência com ácido lisérgico (1965), Hora do recreio (1967), O anjo bêbado (1969) e Os bares morrem numa quarta-feira (1980).

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