Arqueologia: Torquato Neto, Affonso Romano e Gilberto Freyre na revista Livro Aberto

Um dos negócios mais heroicos do Brasil é manter uma publicação periódica de literatura. Impressa. Os blogs e canais de YouTube deram outro caminho, mas jornais e revistas, os que resistem mantendo alto nível, penam para chegar às bancas ou portas de assinantes mês após mês. Uma das histórias de heroísmo foi a Livro Aberto.

Escavando nas montanhas dos sebos e arquivos particulares, o gerente editorial Gustavo Tuna encontrou esta edição, do ano 2000, com capa dedicada ao poeta Torquato Neto, que acaba de ganhar uma edição da Global Editora na série Melhores Poemas.

A reportagem é assinada por André Monteiro, também ele poeta, e na época doutorando em Literatura Brasileira na PUC-Rio (hoje professor na Universidade Federal de Juiz de Fora, de acordo com informações na plataforma Lattes). Torquato fora tema de seu mestrado. E o texto na revista é escrito em primeira pessoa, partindo de como ele tomou contato com a obra.

“O fato de eu ter conhecido Torquato Neto através da cultura cinematográfica me parece ser muito sintomático. Ultrapassando as fronteiras da cultura literária tradicional, centrada exclusivamente na tradição livresca, Torquato atuou em campos culturais diversos (poesia, letras de música, jornalismo cultural, cinema, mercado de discos, etc.), ainda que tenha entrado para a história como um ‘homem da palavra’, como um ‘poeta’ – o que talvez explique o fato de que o acesso a grande parte de sua obra somente se viabiliza por meio do código verbal, mesmo que esse código assuma muitas vezes um papel de suplemento em relação a outros meios e suportes estéticos.”

A matéria busca mostrar a multiplicidade de meios em que Torquato Neto se expressou, como nas crônicas da coluna Geleia Geral, no jornal Última Hora.

Arqueologia: Torquato Neto, Affonso Romano e Gilberto Freyre na revista Livro Aberto

“No último capítulo do ensaio, ‘O escorpião e suas margens’, começo afirmando que entre os participantes do tropicalismo e de seu desdobramento pós-tropicalista, Torquato talvez tenha sido aquele que leu de maneira mais literal a frase SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI, criada por Hélio Oiticica em 1966 no contexto simbólico do Bólide Caixa 18 – homenagem a cara de cavalo. Se no caso de Oiticica, a frase se refere a um heroísmo das manifestações de inconformismo social que o artista vislumbra na própria acepção vulgar do termo marginal – o marginal como sinônimo de bandido que se revolta, rouba, mata e torna-se um inimigo público da sociedade – no caso de Torquato, a frase parece ser cumprida ao pé da letra, ou seja, sem mediações ou projeções dialógicas com outros corpos culturais.”

“A obra de Torquato é sem dúvida um patrimônio valioso da recente história cultural brasileira. Já está mais do que na hora de relançá-la no mercado, para que possa ser conhecida, ou reconhecida, seja como um mito de marginalidade, ou não.”

 

Affonso Romano e Gilberto Freyre

Era o ano de 2000 e o Bug do Milênio não destruiu os computadores como se temia, o mundo não se acabou, como também foi gritado na praça da Sé e outras praças em torno do planeta, que continuou a fazer sua dança no espaço em torno de si e do Sol. Dezoito anos depois da edição, tanto o motivo da capa, Torquato Neto, quanto o poeta em destaque, Affonso Romano de Sant’Anna, e ainda Gilberto Freyre, tratado em ensaio na página 26 de Gustavo Tuna, se encontram sob o mesmo “teto”, a casa da literatura brasileira e portuguesa, que é o Grupo Editorial Global.

Affonso, que é nome das coleções Melhores Crônicas, Melhores Poemas, entre outras publicações, foi entrevistado por Fábio Lucas, por causa do livro Textamentos, que havia lançado no ano anterior. Em uma das respostas, o poeta fala sobre o conceito de beleza:

“A beleza é também a construção dos sentidos. Você tem que não apenas estar aberto para ela, disponibilizando seus sentidos, mas tem que afiar-se, habilitar-se. Nesse sentido, a beleza é um prêmio para quem sabe reconhecê-la. Infelizmente nem toda beleza está à disposição de todos o tempo todo. Há que saber desvelá-la. E às vezes o véu não está nela, está nos nossos olhos. Por isso, falo da construção da beleza, como outros podem falar da construção da verdade.”

 

100 anos de Freyre

Foi em março de 1900 que nasceu Gilberto Freyre. O texto que celebra seus 100 anos foi então escrito pelo mestrando em História pela Unicamp Gustavo Henrique Tuna, hoje doutor em História, gerente editorial da Global Editora e um dos principais conhecedores da vasta obra de Freyre no país.

“Lidar com o pensamento freyriano é, para dizer o mínimo, uma complicação para quem deseja insistentemente classificá-lo dentro de uma determinada linha analítica. Sua tentativa de explicar o caráter nacional do povo brasileiro levou-o à confecção de um texto permeado de contradições, pois, em muitos trechos, a degradação dos indígenas e dos negros diante da dominação lusitana é também colocada. Todas as contradições são, no entanto, administradas pelas mãos de um grande escritor, que faz com que os antagonismos apareçam equilibrados entre si.”