Não vejo uma geração antenada no país e nesse caos político, econômico e social

Caos político

Autor falou também de seu novo romance “Desta Terra Nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”, lançado pela Global Editora

Não dá para negar que o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão fala sem papas na língua o que pensa. Com 82 anos, acaba de lançar Desta Terra Nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela, um dos grandes lançamentos aguardados pela Global Editora deste ano. Conhecido pela variada gama literária, Loyola já escreveu mais de 40 livros. Entre eles contos, crônicas e infantis. Recebeu, em 2008, o Prêmio Jabuti, de melhor Livro de Ficção, com “O menino que vendia palavras”. Em 2016, também recebeu o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.

Nesta entrevista, Loyola fala do atual momento político que vivemos, das motivações que o levou a escrever seu último romance e de seus medos. Confira abaixo:

Como se deu a escolha do título de seu romance?

A escolha do título se deu por um acaso. Se bem que não existe acaso. Porque eu comecei um livro pela primeira vez sem título, e eu não gosto de fazer isso. Um dia estava relendo um livro de poesias do Brecht, de 1921, e que tinha esse trecho: “Nada vai restar a não ser o vento que sopra sobre ela”. E eu pensei: É isto. E usei. E fiquei pensando: é muito grande. Cheguei a mudar para “Suprema Loucura”. Mas terminado o livro eu consultei um amigo, Thomaz Souto Corrêa, que adora tipografia e tem muita experiência, e que me disse para voltar ao título original. Depois, o Thomaz fez essa capa amarela. E amarela é muito ligada à minha terra [Araraquara], muito ligada à queimar as coisas… e eu adorei. E assim ficou. Esse é o livro amarelo do Loyola.

O que seria uma escrita sem panfletagem?

Essa é uma discussão que existe desde o início da minha carreira. Eu sou de uma geração que entrou na ditadura. E a nossa preocupação era não fazer uma literatura de panfletagem. Eu quero uma literatura para incomodar. Eu não queria fazer uma literatura para colocar arma na mão de ninguém, mesmo porque isso não é possível. Os grandes revolucionários é que colocam armas, os escritores não. Eu acho que os escritores transformam cabeças. E fazem a pessoa ver o mundo que se vive. Eu queria que se visse o Brasil que estamos vivendo. Ainda que o livro se passe no futuro. Mas será que é futuro? Pensa bem. Leia e olhe em volta.

Quando você começou a escrever o livro já sabia que abordaria os temas que abordou? Ou a vivência neste país que foi soprando ideias em sua cabeça?

Eu sou jornalista e leio todas as notícias possíveis. No momento em que não se lê mais tanto. No fundo esse livro quer mostrar a minha perplexidade no mundo de gente que não está entendendo o que está acontecendo. Hoje em dia, é um país polarizado, dividido. É um país que não tem direção, governo, leis. Parece surrealismo, Kafka. E no entanto não é Kafka, é o que estamos vivendo. Um mundo em que não temos liberdade, que as câmeras veem tudo. E de repente uma frase derruba um sujeito. As pessoas não conversam mais, só mandam mensagens. Eu vejo isso nos restaurantes e eu fico imaginando que isso acontece na própria mesa. Esse livro eu fiz pra provocar e para desabafar. Esse livro é a realidade. Agora, não é ficção científica, é o que está aí. E eu chamo isso de ficção político burocrática. Eu acho que é espelho, e quem quiser que entre dentro dele.

No seu livro, a impressão que tive, é que ele mistura épocas. E trouxe muito do que a gente vem vivendo hoje, com a inclusão de pessoas LGBT’s na obra. Como foi esse processo?

Eu tive a intenção de fazer isso. E de colocar tudo no livro. É uma época muito estilhaçada, foi uma intenção, foi de propósito. Fui recolhendo elementos do passado que seriam hoje e elementos do futuro, mas que é de hoje. O que eu quero é confundir. E quero que o leitor entenda que a confusão é o real. Está todo mundo confuso. Você lê o livro e pensa: É hoje? É depois de amanhã? Não, está passando hoje.

O senhor é otimista em relação às novas gerações?

Eu ainda não sei. Eu não gosto de julgar gerações, mas eu não vejo, como teve na minha, um interesse pelo país. E não vejo uma geração antenada no país e antenada nesse caos político, econômico e social. Eu não sei se eles estão interessados em manter uma democracia. Se fala muito em democracia, mas poucos sabem o que é. A gente, eu diria, ainda não vive uma democracia. Porque não permite certas coisas, gente demais atacando as coisas. Esses jovens estão defendendo o quê?

O senhor escreveu “Zero”, viveu na época da ditadura e vivenciou um momento de muita turbulência em nosso país. Acha que há chances disso voltar?

Eu tenho receio de que a gente acabe voltando àqueles tempos de quando tínhamos medo de quando batiam na nossa porta. E que tínhamos medo de quando escrevíamos um artigo. Eu trabalhei em jornal que o censor ficava do meu lado. E eu tinha que passar para ele todas as matérias, era horrível. Meus amigos desapareceram, foram mortos. Eu trabalhei com o Vlado Herzog na redação. Trabalhei com várias pessoas que acabaram exiladas. Eu tenho medo que isso volte. Porque tem aí, um Brasil conservador muito forte e que ainda pensa em uma intervenção militar. Ou viveram de um lado confortável da classe média. Eu não quero mais isso.

É um país abandonado à própria sorte. E até tem um trecho deste meu romance, em que eu falo: “Ao abrir a porta do elevador, verifique se o abismo está nesse piso. Porque se abrir ali o abismo está bem perto”.

Agora, eu já passei por tanto. Vou passar de novo? Meus filhos vão passar de novo? Eu tenho 4 netos, vão passar de novo? Pra quê? Não vamos andar?

Veja outras notícias sobre a obra Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela.

 
 


Sobre o autor

Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara em 1936. Jornalista e escritor, passou pelas redações de Última hora, Claudia, Realidade, Planeta, Lui, Ciência e vida e Vogue.

Tem mais de 40 livros publicados, entre romances, contos, crônicas, viagens (Cuba e Alemanha) e infantis. Entre seus romances mais conhecidos, estão Bebel que a cidade comeu, Zero, Não verás país nenhum, O beijo não vem da boca, Dentes ao sol, O anjo do adeus e O anônimo célebre.

Seus livros estão traduzidos em inglês, alemão, italiano, espanhol, húngaro, tcheco e coreano do sul. Com o infantil O menino que vendia palavras, ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção de 2008. Em 2016, Ignácio de Loyola Brandão recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.


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